Hoje, eu me escondi de mim. Troquei a cama por um velho trapiche, o lençol por um cacho de flores. Dormi olhando as estrelas, bebi as gotas de uma fina chuva e me agasalhei numa cobertura de papoulas em forma de guirlanda.

Acordo, agora, toda serenada! Alma lavada pelo orvalho da noite. Tudo está em silêncio! Nem o vento aparece para bater a porta do banheiro. Faço dormir a audição e assim só a voz do coração ecoa. Mas estou cercada por pássaros! Ah, estes doces e travessos amiguinhos insistem em falar comigo... Abro a janela e eles pousam bem perto de mim, me olham nos olhos, nem tive tempo de com eles falar, uma folha de papoula se desprende do galho e os assusta.

Resolvo rasgar o calendário que serviu de travesseiro ao dormi no trapiche quase quebrado. Assim, ele não mais me falará de tempo, horas, idade, compromisso... estou livre... A liberdade é uma dor que sangra e uma asa que desafia à voos razantes.

Sem idade, acolho as rugas e as agasalho em minhas mãos, não as verei como marcas do tempo, mas, sim, como linhas desenhadas por pincéis orvalhados de amor.

As estações do ano, eu as contemplarei da janela, sem lembrar dos janeiros, abris, julhos e outubros. Apenas admirarei a chuva cair, as flores brotarem pelos jardins e esquinas, as folhas cairem no colo da terra e o calor do sol aquecer a gota de orvalho que se equilibra na folha da amoreira.

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