Luas e ipês

Luas e ipês
Quebras silêncios e eternidades
Presenteias-me com uma meia lua,
mas os meus olhos bebem a lua por inteira.
Tua boca sedenta eu vejo na cor azul
onde eu bebo o sumo da saudade que cai
no asfalto frio e sem sentimento.
Os ipês abrem os braços
e acolhem o ventre triste da lua inconclusa,
que meigamente se abandona
e deita no chão sagrado
como se orvalho fosse.
O meu amor tem o rosto de um chão
orvalhado de sereno e de pétalas azuis
que se amarelam quando o branco da saudade
requer o lilás de outros sonhos.
Onde procurar a outra metade da lua?
A semente dos ipês, sem despetalar a flor?
Espero a lua cheia que virá
numa outra dimensão da vida!
Infinita seja a beleza de todas as luas
que clareiam a terra, canteiros de flores e de ipês!

Amarelas sementes

Amarelas sementes
Eu olho pra dentro de mim
e vejo minhas paredes nuas
Vejo a rua anunciando a primavera
por entre perfumes e botões de flores.
Vejo no teu olhar o meu vestido de cetim
se abrindo
Bebes a minha alma
como criança a tomar sorvete na praça.
Em pensamento eu te chamo,
e tu respondes
Trazes no olhar o meu alimento
Procuro em meio as tuas pétalas
uma semente
e recebo o teu sorriso como se uma carícia fosse
Se para te plantar preciso te despetalar
Resolvo te deixar seguir o vento.

O cantar do silêncio

O cantar do silêncio
Escuto você cantar
Como se o seu cantar
Fosse o meu próprio canto
E esse cantar tem a mesma nota
Que vejo na canção do teu olhar.
O teu silêncio me encanta
e quando desandas
te encontro na multidão
Tomo tuas mãos
e rumo contigo para o deserto
que leio no teu olhar de corais
Corais que eu cato nas noites de lua.

Olhos sonhantes

Olhos sonhantes
Nos meus olhos mora um pássaro sonhador
Que voa pelas estações,
pescando o peixe
que a gaivota deixou que caísse no mar.
Nos meus cabelos moram a rosa
que o teu desejo neles plantou,
mesmo sem um jardim,
apenas com palavras e cinzas.
Minhas palavras gostam de viajar e
perambular nos espaços sem fim
E sempre que voltam trazem em versos
as pérolas de minhas saudades.
Minha voz ascende espaços azuis
toda vez que contigo falo
Elas geram celestes poesias
que conduzem a noite
à bordar o dia sobre sua colcha de cetim.
Contemplo no alto a lua que surge e
com amor corto ao meio o meu destino
como se fruta fosse
Retiro o caroço escondido
E partilho contigo um querer sagrado,
incrustado no vazio do tempo,
onde deusas bebem gota a gota
o doce sumo
de uma primavera de sonhos.


Peles e pétalas

Peles e pétalas
Sou um pouco de flor
Sou um pouco de pedra
Sou relva e sou selva
Sou xeiro de terra molhada.
Sou cheia de dor
Sou toda amor e dele aprendiz
Sou parte-todo
Sou toda na parte
Sou floração e canção
Sou a explosão da metamorfose
Sou o silêncio crepuscular
Mas o meu amor é o horizonte.
Sou o banho e sou o rio
Sou arco e sou flecha
Sou a andorinha ferida no voo
Mas esse sangue germina a esperança.
Sou pétala menina e sou pele mulher
Sou o espinho da rosa
Sou o eixo da roda
Sou nada e sou tudo
Sou o que você quiser
Mas me queira com amor.


Sonhos de rio - deusa

Sonhos de rio
E tu apareces bonito
No varal de todos os meus sonhos
Nos caminhos de pedras e luz
Olhando por entre as velas
Com os teus olhos de mar me conduz
Viestes feito mistério
Grávido de tantos desejos
Apontaste um horizonte distante
Recordação de outras memórias
Nos meus simples sonhos de rio.
Te vi mais bonito ainda
Em meio a tua poesia
Entre uma e outra, mais surpresa
Ficava eu mururé, maré desabrochando alegria.
Não pensei nas minhas saudades
Olhando pra longe os barcos andando
Sem olhos, sem faróis e sem velas
Encalhados no porto dos meus sonhos.
Trapiche de tantas lembranças
Da velha cidade de palhas
Dos barcos talhados à faca
Das redes rasgadas com favos
A procura de outra margem.
No igarapé das mulheres
Mistura de barcos, roupas e rios
E eu com frio a olhar para outras cidades.

Lírios e açucenas - deusa

Lirios e açucenas
Não diga nada
Deixe a poesia falar
Antes que a onda a apague
Lembra? Caminhavámos na praia
E a lua clareava nossos passos
Escrevi na areia e você parou para ler
Me abraçou e jurou me amar
Mas nossos sonhos envolvia boina,
Risco, medo e amor
Chuveu nuvens sem poemas
Um vendaval desabou
E a nossa lua escureceu
A noite nos cegou
Na fuga nos perdemos
Nossos pés seguiram uma estrada vermelha
Mas o meu olhar encarnou a saudade
Hoje
Te reencontro num canteiro de cristais
Num jardim em flor
E num punhado de outros sonhos.
Vira flor no meu coração?