Na escola das gaivotas - Minhas vivências no período de 94
até...
Instituto
de educação do Estado do Amapá-IETA - era o nome da escola na qual tive a
alegria de vivenciar práticas diferentes de educar com encanto. Era uma escola
diferente das demais que conheci. O pensamento do Tiago Adão Lara “Queremos uma
escola onde a ideia não amarre, mas liberte; a palavra não apodreça, mas
aconteça; a imaginação não desmaie, mas exploda; o pensamento não repita, mas
invente; um saber novo que é do povo; escola oficina da vida, que se faz saber
do bem querer,” estava estampado numa faixa bem no meio do corredor da escola.
Aquelas palavras me causaram arrepios na pele ao adentrar naquele espaço, já
sagrado, para mim.
O
IETA, antes da reforma era um prédio velho, carregava nos ombros o peso do tempo, mas no seu
interior havia uma energia vitalizadora. Nas velhas paredes cheias de
infiltrações havia mistério... Nos corredores se via uma meninada alegre, havia
sorrisos tatuados em cada canto. Na quadra os educandos ensaiavam danças, peças
teatrais, jogavam futebol, namoravam... Uma doce boniteza que encantava os meus
olhos. E ainda por ali, às vezes, perto da lanchonete, um panelão de feijoada
ou de sopa, fervilhava.
O
IETA era um sussurro de vozes gritantes. Entre essas vozes estava o grêmio
Paulo Freire... Ah, esse era um ninho de se criar “cobrinhas.” Quem não se lembra do
Antonio do PSTU, da Camila Ilário, do Zander Guedes, do Genilson Salazar, Rubem
Júnior, Marcelo Barbosa, Marcelo Almeida, Nicolau, Claudio Henrique, Marcos Siqueira,
Raimundo Portal Negrão, José Luiz...? Alimentamos essas pestinhas pra depois
morderem os nossos calcanhares, mas eram mordidas carinhosas, sempre colocando
em evidencia as nossas contradições de educadores e educadoras. Eu, em meio a
um emaranhado de contradições, convivi fraternalmente com todas essas
criaturinhas tão críticas e criativas.
Que
vozes eram essas que mexiam e mexem tanto com os meus sentimentos, que molham
os meus olhos quando toco nas lembranças de tantas instigantes vivências? Neste
momento que estou revisitando este espaço-tempo tão impregnado de saudades,
entro numa sala, cujas paredes se viam a ação do tempo, mas dessas mesmas
paredes saltitam cores, arco íris aquarelados, possibilidades de se reinventar
os fazeres na sala de aula, de reencantar os olhares da comunidade escolar.
Que
escola era essa que me fez ler "zilhões" de textos de apoio entregues pelo Manoel
Batista, coordenador pedagógico e ainda da área de Matemática? Que “absurdo!” Que
escola era essa que me despertava o desejo de nela ficar o dia inteiro? Que me
enchia de tesão para as infindáveis reuniões de Área, de Inter área, de
Conselho de Classe, de Conselho Escolar...? Que escola era essa que revisitava
as tradições, que revisitava a educação, que criou a festa do papel, que criou
o intervalarte – intervalo com arte?
Por
falar em intervalarte... Foi uma criação de alguns professores-professoras com
os educandos-educandas. Era pra acontecer durante os quinze minutos do
intervalo, na sexta feira. Depois passou para meia hora. Com o passar do tempo
ficou tão prazeroso que era difícil fazer a meninada retornar para a sala de
aula e às vezes retornava, mas continuavam na sala de aula os acordes, a
musicalidade, a vida em toda a sua dimensão. Era uma festa deliciosa que me fazia
sentar na roda com eles-elas e cantar a Vida.
E os
livros que eu li influenciada pelo pensamento de mudança, pela onda de
encantamento, pelas possibilidades que gritavam diante dos meus olhos. Pelas
gostosas coceiras na minha alma e no meu coração, influência de outras
professoras e professores. Quem se lembra do Revisitando a Educação da Regina
Leite Garcia, do Ismael, Meu Ismael e Historia de B, do Daniel Quinn, dos Setes
saberes da educação, do Edgar Morin? Das leituras sobre Holística, lembra
Airton Guedes Asdrubal, Aldenise Carneiro?
Foram
tantas vivências... Eu fui revirada pelo avesso, fui questionada, questionei,
me questionei, chorei, sorri, acreditei, desacreditei, reacreditei, amei, amei,
amei... Imenso amor que fez e faz o meu corpo ser balançado pela saudade, pela
esperança no coletivo, pela crença na ousadia, pelos afetos que aproximam
pessoas.
Outro
dia, eu estava caminhando na orla e um taxi parou ao meu lado, uma aluna saiu
do taxi e se dirigiu a mim, dizendo: “professora quero lhe dar um abraço”. Uma
vez você falou uma frase na sala de aula que fez com que eu não me esqueça de
você. Eu perguntei qual era a frase e ela respondeu: “O conhecimento só tem
razão de existir se for colocado a serviço da vida”. Eu creio nisso, embora
ache que a frase não seja minha. Mas de tudo ficou a alegria pelo carinho e por
saber que de alguma forma eu toquei o coração desta aluna e de muitas outras
pessoas.
E
essa ternura se espalha em cada encontro meu com as pessoas que estudaram e que
trabalharam no IETA. É sempre um encontrar pleno de alegria, de amor, de partilha de
sentimentos, de reconhecimento de uma historia vivida e compartilhada entre
rebeldias, ousadias, sonhos...
Na
escola das gaivotas eu me fortaleci no trabalho coletivo que me despertou para
a construção da paciência, da co-responsabilidade, para a escuta, para o
aprendizado das palavras, para a cumplicidade de um projeto sonhado
coletivamente.
Na
escola das gaivotas aprendi a arte de construir asas, de colorir penas, de ensaiar voos, de aprender coisas. Desaprendi
tantas outras, cutuquei os meus pássaros para que deixassem as gaiolas e
reaprendessem a voar. Enchi meu coração de ternura. Em alguns momentos me fiz
deserto. Em outros, transbordei minhas raivas, minhas contradições,
decepções...
Contudo,
tenho profunda gratidão a cada gaivota pela arte de recriar sonhos e asas.
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