E se na correria eu plantar uma flor...
Paro
para escutar as vozes do mundo, as vozes da vida, as vozes da alma que calma e
serena acena do tempo que é puro mistério. Vozes que as vezes vêm de fora, as
vezes vêm de dentro. As de fora, cantam, gritam, calam... as de dentro são puro
silêncio que acolhem, que saram, que cuidam, que clamam... Quão difícil é viver
num mundo barulhento. Falta silencio para se ouvir o silencio. E é no silencio
que eu escuto os soluços, os sussurros, a dor marcante e o canto da água e dos
pássaros.
Mesmo
num mundo de buzinas, de folias, de correrias que levam a lugar nenhum, de
passos que vão, de passos que voltam, que se atropelam, que se esbarram, eu não
saberia detalhar o rosto de uma dessas pessoas com as quais eu tropeço no dia a
dia dos caminhos.
E assim,
mesmo no barulho e na multidão talvez me falte um sorriso largo, um olhar que
convide o outro para ser feliz, um abraço afetuoso, uma atitude de cuidado para
com aquele que anda na direção contraria a minha.
Eu não
sei quando iniciou tudo isso. Se é que teve um início. Se eu fui alheia a esse
começo de vidas retalhadas, quero estar partícipe no desenrolar desta teia de
relações, para muitos angustiante, para outros indiferente e para tantos,
natural do humano enquanto caminha nesta dimensão terrestre.
No entanto,
se em meio à multidão a solidão me dilacera, vou plantar lírios na janela de
cada caminhante, transformar as ruas em jardins e me transformar em sementes e
semeadora das margens dos caminhos, quem sabe assim o nosso destino passa a ser
um encontro entre jardineiros da vida.
Linhas e agulhas
Eu amo costurar...
Hoje, costuro o meu olhar embaçado
à asa dos pássaros que atiçam o seu voo.
Costuro o barulho da rua ao silencio do meu quintal, a diversidade de
cantos que ouço vindo das árvores que se fazem passaredos. Costuro o medo da
morte à singeleza da saudade que tanta gente deixa no meu peito. Costuro a
desesperança derramada no meu país a um tempo novo que está surgindo.
Costuro a própria
costurança. Costuro os mistério aos rasgões que existem entre o pensamento e a
espiritualidade; a vagareza dos velhos à correria das crianças; a sabedoria do ancião
a inquietude da juventude. Costuro a plenitude de um tempo que talvez nem
exista à imensidão do espaço, tão largo, tão estreito, tão perto e tão longe ao
mesmo tempo.
Costurar é aproximar, é
juntar retalhos que, mesmo coloridos, se não forem costurados a outros retalhos
perdem o sentido de existirem. Cada retalho é uma totalidade quando com os
outros se transforma em algo maior, belo e significativo.
Costurar requer sabedoria, paciência
impaciente, liberdade para recriar a própria arte, estética, ética, amor...
Já vejo-me em outro tempo
costurando a minha história, os meus sonhos, o devir. Vejo a cadeira de balanço
balançando sozinha, carretéis com linhas, agulhas, fios, rosas, vinhos
espalhados pelo chão. Eu já estou indo, retomar a colcha que por um tempo
deixei esquecida na minha velha varanda...
Sorrisos
e cicatrizes
A tua partida foi uma triste
despedida com ares de solidão. Tão perdida eu estava que a tua fala de adeus
ficou nas palavras envelhecidas de uma velha gramatica. No balançar de um
tempo, retirei de um momento os sonhos que queria ter. A tua partida foi como
uma gota de chuva esquecida numa folha qualquer.
A tua partida foi tão doída
como a dor sentida por uma fruta cortada ao meio. Como a dor que sente a flor
quando arrancada de um galho que dança ao vento. Ao partir se cava uma
ausência. É uma tristeza que se deita entre a distância e a saudade.
De tanto que já vi gente
querida partir é que hoje eu amo apreciar o entardecer... Vejo as nuvens
correndo como se crianças fossem. E essa corrida das nuvens que sai de lugar
nenhum para o infinito me deixa melancólica e também mais bonita. É algo tão
sublime que acaba virando melancolia e uma doce verdade.
As partidas me lembra os nuances
do entardecer que são como preces sagradas de um rosário de pérolas. A cada
mistério que se reza eu trago para os olhos as pessoas que eu amo e que estão
perto de mim. Para o coração trago as pessoas que eu nunca deixei de amar, mas
que hoje habitam em outros arco íris.
Toda partida alarga
sorrisos, mas também machuca, abre cicatrizes na alma. Mas a vida é imensamente
paciente e assim, transforma esses sentimentos em ternura e saudade...
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