Gratuidades
Costumo caminhar quase todas
as manhãs numa praça-lagoa. Adoro ver o rosto de Deus nos esbeltos
buritizeiros, no frondoso ipê amarelo, nos finos açaizeiros, mas também, no
caminho aberto pelas saúvas em meio a vegetação rasteira, na pequenina flor
brotada em frágeis cipós que se espalham por todos os lugares, desafiando a
roçadura de quem da praça cuida. São tantas as imagens sagradas, visíveis e
invisíveis que me fazem escolher este lugar como a minha casa-templo de
orações, de meditação e de encontro com a espiritualidade.
Neste caminhar silencioso,
debulho-me em preces de gratidão a sublime Vida. Ao Grande Espírito criador de
fortes e delicadas belezas, de coisas grandes e pequenas, de peixinhos que
nadam no fundo do lago e de pássaros que fazem ninhos nas copas do
flamboyant...
Presto atenção aos mínimos
detalhes. Conheço cada flor desta praça, suas cores, seus aromas, suas
delicadezas. Olho todas com carinho e admiração. Aprecio o voo do Socó, o
mergulho do pássaro mergulhão, as folhas e flores que caem na água e são
levadas pelas marolas da lagoa.
Mas na minha caminhada de
hoje encontrei um matinho que nascera em uma rachadura, pendurado entre a
calçada e a lagoa com apenas um fiozinho de terra-musgo. Fiquei um bom tempo
contemplando essa paisagem, escutando as queixas da rachadura, a conversa entre
o matinho e o sol, ouvindo as pequenas folhas acenarem para os galhos da
alvineira que tombou sobre as águas e ainda admirei a ousadia desta plantinha
por fazer do medo um desafio, medo de escorregar sobre as pedras cheias de lodo
e mistérios.
A Mãe Natureza me põe diante
de simples e complexas lições, a de hoje foi: se o matinho vive num fiozinho de
terra e mesmo assim fica a dançar com o vento, também eu posso viver com um
mínimo de coisas. As necessidades da Vida são poucas, muitos são os desejos
humanos, são os desejos que nos transformam em escravos. Eu já não quero
correr. Compartilho da poesia do Almir Sater e Renato Teixeira, “Ando devagar
porque já tive pressa e levo este sorriso porque já chorei demais...” Por que
querer mais riquezas, se o teto de minha casa é coberto com estrelas, se o meu
quintal é o mundo, se minha janela é o horizonte, se nos meus olhos mora a lua
e abaixo dos pés tenho os corais que medram entre as pedras?...
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