Entre mururés, águas e florestas
Apenas três horas de viagem...
Acordei com o amanhecer, peguei emprestada a mochila do meu filho, sem que ele soubesse, claro, coloquei uma rede e um par de roupas e rumei para o porto de Santana, município próximo de Macapá; destino? A escola do Rio Navio, às margens do Rio Amazonas, no município de Mazagão. Busquei na memória lembrar mais ou menos a localização, não consegui, então me lancei em mais uma aventura.
Cheguei no Porto de Santana com alguns minutos de atraso. Muitos barcos! Homens embarcam e desembarcam. Uma cena que muito gosto de ver. Fico a imaginar o que eles pensam da vida, do mundo, das relações de poder e de compaixão, onde vivem, de onde veem, se são felizes.
Eu e minha amiga Ana Maria ficamos a procurar o barco, claro que não achamos. Nossos outros companheiros chegaram e logo fomos achados pelo barqueiro. Nossos “bagulhos” arrumados deixamos o porto acenando para os que ficaram.
Na Amazônia, quem marca o tempo é a maré. Nos atrevemos sair “contra a maré”. Resultado? Continue lendo... As duas primeiras horas foram uma alegria só. Caminho desconhecido para meus amigos. Para mim reencontro, saudades, caminho familiar.
O sol quente invadiu o barco e um forte calor se apossou de nossos corpos. Só em um lado do barco havia sombra.
Depois de algum tempo o motor começou a esquentar, o comandante desligava, mexia, mexia, ligava de novo, funcionava um pouco e parava novamente. A pergunta mais constante entre nós: está longe? E o comandante respondia, depois daquela ponta... Muitas “pontas” apareciam, sumiam e logo outras surgiam. A previsão de três horas passou para quase seis. O que fazer com a vontade de fazer xixi? Tomar água nem pensar! Aprendi com isso que tenho que ser parceira da maré, nunca sua adversária... Como diz o poeta, “Ando devagar porque já tive pressa...”
Enquanto esperavámos a “ponta” aparecer, minhas amigas tagarelas, Mara e Ana não paravam de falar. Nem sei o que tanto elas falavam! O Eugênio e a Simone deitaram no assoalho do barco, parece que o sol amigo apenas os acariciou, eu pensei que iam ficar assados. A Nazilda banhada de suor se abanava o tempo todo, o Oziel, nosso comandante parecia totalmente calmo e cúmplice dos acontecimentos, eu procurei silenciar e depois de algum tempo comecei a espirrar e coçar os olhos, tive dor de cabeça e parecia que estava toda sabrecada, tenho alergia, às vezes a mim mesma rsrs. Finalmente aparece a ponta tão esperada! E o meu olhar se realimentou pela beleza do lugar! Atracamos no trapiche e fomos saudados por uma linda escola com sua bela e acolhedora gente.
Olhos deslumbrados com a beleza do lugar, corpos cansados e fadigados... Almoçamos e nos banhamos com as águas do meu amado Amazonas. Logo depois arrumamos o ambiente para receber os professores/as e demais participantes da comunidade, para juntos conversarmos sobre/com a proposta do projeto: “Semeando Vida e Cuidando da Comunidade. Religando o Conhecer ao Viver com-Vida”, que traz em sua essência a possibilidade de entrelaçar, na escola-Vida as dimensões amorosa e cognitiva do conhecimento. Com isso, cultivar e fortalecer uma cultura de paz. Foi um gostoso encontro!
Logo depois da roda de conversas fui apreciar o dia se despedir do horizonte! O maravilhoso Amazonas se aconchegou no meu peito me sufocando de saudades, de ausências-presenças. Têm lembranças que ficam guardadas bem além da memória. Ficam cravadas na alma!
Com essa sensação de estar em casa, fomos visitar a comunidade. Partilhamos carinho e atenção. Fomos presenteados com peixe assado e açaí. Jantamos e nos recolhemos ouvindo histórias contadas por dois moradores do Rio Navio. O medo dos morcegos fez partilharmos os mosquiteiros. Dormi profundamente, mesmo assim escutei a água barulhar nas ribanceiras, compondo canções tão conhecidas, para mim.
No dia seguinte acordamos antes do sol. Desatamos nossas redes e dessa vez saimos com a maré. A viagem de volta foi rápida demais. Ficou no coração o gostinho de: quero voltar outras vezes... Sempre com a maré...
Nosso afeto e gratidão aos irmãos e irmãs, moradores das margens do Amazonas com o Rio Navio! Até breve!

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